Compaixão e autocompaixão: um olhar de si para o outro

Compaixão é a capacidade que temos de compreender o estado emocional, estabelecer conexões com sentimentos e emoções de forma genuína, autêntica com os outros e com nós mesmos – autocompaixão.

Compaixão X empatia

Muitas vezes, confundida com empatia, a compaixão tem um elemento fundamental: o desejo de aliviar ou reduzir o sofrimento do outro. É uma ação, movimento que nos direciona a tomar decisões em prol do bem-estar do outro e a si mesmo – autocuidado.

Ter compaixão por alguém envolve mais do que se colocar em seu lugar e genuinamente desejar compreendê-lo ou mesmo ajudá-lo. Envolve começar a ter uma perspectiva totalmente diferente quando se trata de como você percebe os outros – essa capacidade expande a nossa mente a uma abertura para o que acontece ao nosso redor, um olhar curioso e compassivo, com aceitação e não julgamento.

As relações desenvolvidas ao decorrer de nossas vidas Compaixão 1

Com o passar do tempo, vamos desenvolvendo milhares de relações cada vez mais viciadas e automáticas. Olhamos aos outros e a nós mesmos a partir de perspectivas restritas e, muitas vezes, disfuncionais: “Minha esposa é assim mesmo”; “Ah, meu amigo nunca me ajuda”; “Meu filho não aprende mesmo”… Estes são alguns exemplos de manifestações de julgamentos e críticas fechadas em condições construídas por nós. 

Acabamos nos esquecendo de reconhecer o outro como um ser livre e complexo, tão único e cheio de experiências quanto nós. Quando não prendemos as pessoas em nossas cápsulas mentais, nos roteiros que criamos diariamente com elas – mesmo que elas não estejam presentes -, damos liberdade para um maior cuidado. Um olhar mais amplo, com abertura e curiosidade que liberta de nós a necessidade de controle das escolhas do outro, aceitando com gentileza, amorosidade a dor e o sofrimento do outro – em uma ação, um movimento de ajudar e se fazer presente tolerando aquilo que é aversivo.

Tenzin Palmo, monja consagrada da escola de Kagyu do budismo tibetano, nos ensina que qualquer tipo de relacionamento, em que pensamos que podemos ser preenchidos pelo outro, está fadado a ser complicado. O ideal seria que as pessoas se juntassem já tendo esse sentimento de preenchimento próprio, e se juntassem para apreciar a companhia do outro, ao invés de esperar que o outro supra a necessidade de preenchimento que elas não sentem sozinhas – isso gera diversos problemas. Vem a projeção do romance, do amor, em que idealizamos nossas ideias, desejos e fantasias românticas no outro e, possivelmente, o outro não será capaz de corresponder a essas expectativas.

Sentimento, dor e autocrítica

Nós, ocidentais, fugimos da dor, de sentir o que de fato dói – isso nos afasta de quem nós somos, com autocrítica e julgamentos severos daquilo que estamos sentindo. O convite agora é: seguir o caminho da dor para acolher essa sensação, essa emoção que acontece no corpo, com gentileza e um ombro amigo.

Muitas vezes, estamos focados no aspecto dominante da experiência que sequestra a nossa atenção, pressionando-nos ou estimulando um desejo de fuga, esquiva, recusa de perceber os pequenos detalhes daquela pessoa, situação ou mesmo os próprios pensamentos. Ao buscarmos um olhar mais consciente e atento, momento a momento, a visão generalizada se divide em várias partes menores e mais flexíveis que tem um movimento em nossa consciência com uma presença incrível de perceber e observar os próprios pensamentos e emoções.

Oferecer uma genuína amizade com a nossa mente, fazer as pazes com ela, aceitando dúvidas, pensamentos, sentimentos, emoções, julgamentos de forma amorosa e gentil podendo se tornar sua melhor amiga. 

Expresse seus sentimentos e, se precisar, peça ajuda!

Um elemento fundamental da autocompaixão é pedir ajuda. Precisamos questionar os padrões sociais da autossuficiência, que vem com verdades absolutas de individualização de sucesso e felicidade. Ao nos reconhecermos como humanos interdependentes, seres que têm fragilidades e emoções, percebemos que ninguém vive ou consegue fazer as coisas totalmente sozinho.

Parece que o tempo todo, precisamos provar que somos fortes e corajosos, não precisamos de ajuda, decidimos tudo sozinhos, controlamos tudo, negligenciamos a nossa parte humana sensível e vulnerável de sentir dor, sofrimento, vazio e dúvida. Fugimos como desesperados do sentir e isso nos desconecta do nosso ser humano, que têm toda essa dimensão humana imperfeita e que precisa da ajuda do outro.

No livro “Amor pelas coisas Imperfeitas”, de Haemin Sunim, podemos aprender que expressar o que estamos sentindo sem sofrer por isso é uma habilidade tão importante quanto aprender a ler. Quando não expressamos o nosso sentimento, a insatisfação se acumula, as discussões começam, os relacionamentos podem explodir como um vulcão, carregando rios de mágoas e destruindo as pontes de afeto e respeito. 

Você se sente cansado e chateado por ter que fazer tudo sozinho? Expresse seu sentimento, fale genuinamente o que você sente, a linguagem emocional é tão fundamental quanto o desenvolvimento da leitura e escrita. Não pense que você merece ser amado quando é bem-sucedido naquilo que o mundo ou sua família exige, você nasceu digno de amor.

A verdadeira natureza da mente é como o céu. Nossos pensamentos são como nuvens, nossas emoções, como os relâmpagos e o céu aceita todos igualmente – observando enquanto eles mudam e se movem através dele. Os pensamentos e as emoções vêm e vão, mas o céu continua o mesmo – claro, luminoso, aberto. A natureza tem muito a nos ensinar.

Se você está triste, tudo bem admitir que está. Se tem uma dor que o deixa perdido, tudo bem falar sobre ela. A razão por que você tem dificuldades é o fato de ser incapaz de aceitar as coisas que não podem ser mudadas. Deixe que sejam como são e veja o que acontece.

Emoções são como hóspedes que aparecem sem ser convidados. Eles vêm quando querem e vão embora quando você reconhece sua presença. Embora as emoções tenham origem dentro de você, não suponha que elas lhe pertencem. É por isso que elas raramente lhe dão ouvidos. 

No momento que nos permitimos SER, finalmente ficamos em paz com nós mesmos. Lembre-se de que só podemos ser nós mesmos quando nos aceitamos e os outros começam a nos aceitar também.

“A verdadeira liberdade é não ter ansiedade quanto à imperfeição” – Sengchan, mestre zen do século VI.

Angelita Prochnow Wilke
Angelita Prochnow Wilke,
psicóloga – CRP 18 00306.
Terapeuta Cognitiva Comportamental
Teacher in training em Mindfulness pelo Mindfulness Centre of Excllence, Iniciativa Mindfulness e Casa do Horto.